RECURSO – Documento:7065727 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5009732-96.2024.8.24.0045/SC DESPACHO/DECISÃO Acolho o relatório da sentença (evento 52/1º grau), de lavra da Juíza de Direito Cleusa Maria Cardoso, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris: Cuida-se de ação movida por A. R. L. V. em face de BANCO PAN S.A., em que a parte autora alegou que firmou contrato com a parte requerida sobre o qual incidiram diversas ilegalidades. Ao final, requereu a procedência da ação, com o afastamento das cláusulas elencadas na exordial. O pedido de tutela de urgência foi deferido e em seguida revogado.
(TJSC; Processo nº 5009732-96.2024.8.24.0045; Recurso: recurso; Relator: ; Órgão julgador: Turma, j. 30-5-2022).; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:7065727 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5009732-96.2024.8.24.0045/SC
DESPACHO/DECISÃO
Acolho o relatório da sentença (evento 52/1º grau), de lavra da Juíza de Direito Cleusa Maria Cardoso, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:
Cuida-se de ação movida por A. R. L. V. em face de BANCO PAN S.A., em que a parte autora alegou que firmou contrato com a parte requerida sobre o qual incidiram diversas ilegalidades. Ao final, requereu a procedência da ação, com o afastamento das cláusulas elencadas na exordial.
O pedido de tutela de urgência foi deferido e em seguida revogado.
Citada, a parte ré contestou, sustentando preliminares e defendendo a legalidade do contrato firmado entre as partes.
Houve réplica.
A Magistrada julgou parcialmente procedentes os pedidos exordiais, nos seguintes termos:
ANTE O EXPOSTO, confirmo a tutela de urgência e julgo parcialmente procedentes os pedidos para:
- Revisar a taxa de juros remuneratórios nos contratos objetos da lide, que passarão a observar a taxa média de juros divulgada pelo Banco Central para o período de cada contratação, conforme tabela constante na fundamentação;
- Descaracterizar a mora.
- determinar a repetição simples de eventual indébito, corrigido monetariamente pelo INPC desde a data do pagamento, com juros simples de 1% ao mês a contar da citação, ambos até 30.8.2024. A partir dessa data, o índice de correção monetária e o percentual de juros devem observar o que determina a Lei 14.905/2024.
Os valores apurados deverão ser compensados/descontados de eventual saldo devedor em aberto e, caso quitado o contrato, restituídos em parcela única.
Diante da sucumbência recíproca, arbitro os honorários em R$ 1.500,00 (85, §8º-A, e art. 86, ambos do CPC), cabendo à parte autora o adimplemento de 25% e à parte ré o pagamento de 75% dessa verba.
Os honorários serão atualizados pelo IPCA e acrescidos da taxa legal de juros, isto é, taxa referencial SELIC deduzido o IPCA (CC, art. 406, § 1º), a partir do trânsito em julgado.
As custas devem ser rateadas entre as partes na proporção supramencionada.
A condenação em custas e honorários da parte autora ficará suspensa por força da Justiça Gratuita.
Irresignado com a prestação jurisdicional entregue, o Banco réu interpôs apelação, por meio da qual alega a impossibilidade de revisão contratual, bem como a ausência de abusividade no encargo remuneratório, notadamente pelo alto risco da contratação. Impugna a repetição do indébito e a descaracterização da mora. Busca a revogação da tutela. Ao final, clama o provimento integral do recurso e o prequestionamento dos dispositivos legais pertinentes à hipótese (evento 60/1º grau).
Contrarrazões no evento 67/1º grau.
É o relatório.
Decido.
O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
De plano, assinalo a possibilidade de julgamento monocrático do feito, em conformidade com o art. 932, IV, "b" do Código de Processo Civil, e art. 132, XV, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça.
1 REVISÃO CONTRATUAL E JUROS REMUNERATÓRIOS
O recorrente alega que "o consumidor que contrata um serviço bancário, plenamente ciente das cláusulas contratuais, das taxas de juros expressamente previstas e das tarifas incidentes, e posteriormente ingressa em juízo pleiteando revisão e devolução de valores como se estivesse surpreso, claramente desrespeita o princípio da boa-fé objetiva, fundamental em toda relação contratual" (pág. 4 do apelo).
Explica que a taxa de juros é reflexo do fato de que "o Banco PAN tem uma função social importante, atuando no mercado de veículos usados e motos, especialmente com clientes que buscam essas opções. Isso o distingue do mercado geral, especialmente de instituições que financiam apenas veículos zero km (grandes bancos e bancos de montadoras). Em operações para aquisição de veículos usados, quanto mais antigo o veículo, maior a sua desvalorização em comparação com modelos novos. Esse é um dos elementos cruciais na composição do risco" (pág. 7 do apelo).
Pois bem.
De início, destaco ser viável a revisão das cláusulas contratuais abusivas ou que coloquem o consumidor em situação amplamente desfavorável, nos termos do art. 51, IV, da Lei n. 8.078/1990, hipótese que não configura violação aos princípios do pacta sunt servanda e da autonomia da vontade, os quais cedem espaço à norma específica prevista no art. 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor.
Os aludidos princípios não prevalecem de maneira absoluta, pois, configurada a relação de consumo (Súmula 297 do STJ), possível a análise e a revisão das cláusulas contratuais abusivas, notadamente em observância à função social do contrato e aos princípios de probidade e boa-fé, com vistas à restauração do equilíbrio das prestações durante a execução e a conclusão contratual.
Desse modo, a tese no sentido de que o cumprimento do contrato seria obrigatório por ter sido firmado livremente pelas partes não merece prosperar, porquanto a prévia ciência das cláusulas contratuais, a suposta livre pactuação ou a execução do contrato não têm o condão de convalidar a abusividade e afastar a revisão ou a anulação in totum de determinada cláusula, exegese que também se extrai dos arts. 421 a 424 do Código Civil.
Nesse sentido, a Corte da Cidadania já decidiu que, "sendo aplicável o Código de Defesa do Consumidor, é permitida a revisão das cláusulas contratuais pactuadas, em razão da mitigação do princípio do pacta sunt servanda, mormente ante os princípios da boa-fé objetiva, função social dos contratos e dirigismo contratual" (AgInt no AREsp n. 2.020.417/SC, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, j. 30-5-2022).
Consigna-se, porém, a limitação da apreciação jurisdicional às questões levantadas pelas partes. Isso porque, muito embora as normas do Código de Defesa do Consumidor incidam nos contratos bancários, ao Magistrado é defeso promover a revisão ex officio da abusividade das cláusulas (Súmula 381 do STJ).
Dito isso, sobre os juros remuneratórios, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, assim decidiu:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO
[...].
I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE.
ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS
a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;
b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;
c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;
d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.
[...] (REsp n. 1.061.530/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, j. 22-10-2008).
Colhe-se do inteiro teor do precedente paradigma o seguinte excerto sobre a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil:
A taxa média apresenta vantagens porque é calculada segundo as informações prestadas por diversas instituições financeiras e, por isso, representa as forças do mercado. Ademais, traz embutida em si o custo médio das instituições financeiras e seu lucro médio, ou seja, um 'spread' médio. É certo, ainda, que o cálculo da taxa média não é completo, na medida em que não abrange todas as modalidades de concessão de crédito, mas, sem dúvida, presta-se como parâmetro de tendência das taxas de juros. Assim, dentro do universo regulatório atual, a taxa média constitui o melhor parâmetro para a elaboração de um juízo sobre abusividade.
Em idêntico sentido, o Grupo de Câmaras de Direito Comercial desta Corte lançou enunciados acerca do assunto:
Enunciado I - Nos contratos bancários, com exceção das cédulas e notas de crédito rural, comercial e industrial, não é abusiva a taxa de juros remuneratórios superior a 12% (doze por cento) ao ano, desde que não ultrapassada a taxa média de mercado à época do pacto, divulgada pelo Banco Central do Brasil.
Enunciado IV - Na aplicação da taxa média de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, serão observados os princípios da menor onerosidade ao consumidor, da razoabilidade e da proporcionalidade.
Em junho de 2022, o Superior Tribunal de Justiça revisitou o tema e firmou orientação no sentido de que "a taxa média de mercado apurada pelo Banco Central para cada segmento de crédito é referencial útil para o controle da abusividade, mas o simples fato de a taxa efetiva cobrada no contrato estar acima da taxa média de mercado não significa, por si só, abuso. Ao contrário, a média de mercado não pode ser considerada o limite, justamente porque é média; incorpora as menores e maiores taxas praticadas pelo mercado, em operações de diferentes níveis de risco. Foi expressamente rejeitada a possibilidade de o E, na sequência, ainda complementou:
RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. REVISÃO. CARÁTER ABUSIVO. REQUISITOS. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA.
1- Recurso especial interposto em 19/4/2022 e concluso ao gabinete em 4/7/2022.
2- O propósito recursal consiste em dizer se: a) a menção genérica às "circunstâncias da causa" não descritas na decisão, acompanhada ou não do simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média praticada no mercado, é suficiente para a revisão das taxas de juros remuneratórios pactuadas em contratos de mútuo bancário; e b) qual o incide a ser aplicado, na espécie, aos juros de mora.
3- A Segunda Seção, no julgamento REsp n. 1.061.530/RS, submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos, fixou o entendimento de que "é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1°, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto."
4- Deve-se observar os seguintes requisitos para a revisão das taxas de juros remuneratórios: a) a caracterização de relação de consumo; b) a presença de abusividade capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada; e c) a demonstração cabal, com menção expressa às peculiaridades da hipótese concreta, da abusividade verificada, levando-se em consideração, entre outros fatores, a situação da economia na época da contratação, o custo da captação dos recursos, o risco envolvido na operação, o relacionamento mantido com o banco e as garantias ofertadas.
5- São insuficientes para fundamentar o caráter abusivo dos juros remuneratórios: a) a menção genérica às "circunstâncias da causa" - ou outra expressão equivalente; b) o simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média de mercado divulgada pelo BACEN e c) a aplicação de algum limite adotado, aprioristicamente, pelo próprio Tribunal estadual.
6- Na espécie, não se extrai do acórdão impugnado qualquer consideração acerca das peculiaridades da hipótese concreta, limitando-se a cotejar as taxas de juros pactuadas com as correspondentes taxas médias de mercado divulgadas pelo BACEN e a aplicar parâmetro abstrato para aferição do caráter abusivo dos juros, impondo-se, desse modo, o retorno dos autos às instâncias ordinárias para que aplique o direito à espécie a partir dos parâmetros delineados pela jurisprudência desta Corte Superior.
7- Recurso especial parcialmente provido (REsp n. 2.009.614/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 27-9-2022).
Com efeito, a partir da firme orientação jurisprudencial referenciada, conclui-se que a mera verificação comparativa entre a taxa média de juros apurada pelo Banco Central do Brasil e aquela prevista no contrato questionado, a princípio, não é suficiente para avaliar a abusividade do encargo. Para tanto, faz-se necessário analisar cada caso concreto e as peculiaridades da contratação.
In casu, os efetivos juros remuneratórios foram pactuados em 4,31% ao mês e 67,00% ao ano (contrato n. 105137325 - item 8 do evento 1/1º grau).
Em consulta ao sítio eletrônico do Banco Central do Brasil (https://www.bcb.gov.br/ > Sistema Gerenciador de Séries Temporais > Estatísticas de crédito > Taxas de juros), observa-se que a taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres (pessoas físicas - aquisição de veículo) ao tempo da contratação (21-12-2023) era de 1,91% ao mês (série n. 25471) e 25,52% ao ano (série n. 20749).
À exceção do valor (R$ 81.677,28), do prazo do financiamento (48 meses), da forma de pagamento da operação e da própria garantia do veículo, não há nos autos elementos probatórios suficientes que demonstrem os custos da captação dos recursos à época do contrato e no local da negociação, fontes de renda da parte consumidora ao tempo do ajuste para apurar sua efetiva situação econômica e/ou o seu histórico pormenorizado de inadimplência e de relacionamento com a instituição financeira, indicativos sobre o resultado da análise do perfil de risco de crédito e etc., a justificar a discrepância entre a taxa pactuada e a taxa de mercado para operações similares.
Esta Corte, em casos semelhantes, já decidiu:
APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES.
RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ.
[...].
JUROS REMUNERATÓRIOS. UTILIZAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN, TÃO SOMENTE, COMO REFERENCIAL PARA A CONSTATAÇÃO DA ABUSIVIDADE. OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS ESTIPULADOS NO RESP N. 1.821.182/RS. ONEROSIDADE DO ALUDIDO ENCARGO QUE DEVE SER APURADA DE ACORDO COM AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA, IN CASU, DE JUSTIFICATIVA PLAUSÍVEL POR PARTE DA RÉ PARA PRESERVAÇÃO DAS ELEVADAS TAXAS PACTUADAS ENTRE AS PARTES. [...] (Apelação n. 5002417-76.2020.8.24.0103, rel. Soraya Nunes Lins, j. 27-6-2024).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. FINANCIAMENTO PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DO DEMANDANTE. JUROS REMUNERATÓRIOS. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA ÀS PARTICULARIDADES DO CASO (SITUAÇÃO DA ECONOMIA À ÉPOCA, GARANTIAS OFERECIDAS, PERFIL DO CONTRATANTE E RISCOS DA OPERAÇÃO). RECENTE ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO JULGAMENTO DO RESP N. 2.009.614/SC DE RELATORIA MINISTRA NANCY ANDRIGHI. TAXA MÉDIA DIVULGADA PELO BACEN QUE INDICA, TÃO SOMENTE, UM PARÂMETRO DE AFERIÇÃO CONSIDERANDO AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE DEIXOU DE DEMONSTRAR A RAZOABILIDADE DA TAXA DE JUROS CONTRATADA E DE APONTAR AS PARTICULARIDADES RELACIONADAS ÀS OPERAÇÕES EFETUADAS E AO PERFIL DO MUTUÁRIO. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÕES SOBRE O CUSTO DA OPERAÇÃO, GARANTIAS, FONTES DE RENDA DA PARTE CONTRATANTE, RESULTADO DA ANÁLISE DE RISCO, ETC. TAXA PRATICADA QUE DESTOA SUBSTANCIALMENTE DA MÉDIA DE MERCADO. JUROS REMUNERATÓRIOS ABUSIVOS. NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO (Apelação n. 0305296-94.2015.8.24.0054, rel. Rocha Cardoso, j. 23-11-2023).
Assim, não há como modificar a conclusão do Juízo a quo no ponto, ainda que necessário se afastar do mero cotejo entre a taxa praticada e a média divulgada pelo Bacen. Por consequência, reconhecida a abusividade do encargo, pertinente é a aplicação da taxa média de mercado, conforme a sentença.
2 REPETIÇÃO DE INDÉBITO
O requerido não concorda com a repetição de indébito, pois "o Apelado deveria embasar seu pedido em erro. Se assim não o fez, não tem direito a qualquer restituição, uma vez que aquele que paga o indevido conscientemente comete ato de liberalidade" (pág. 10 do apelo).
No entanto, uma vez verificado eventual valor cobrado em excesso pelo banco, lhe competirá devolvê-lo ao demandante (na forma simples, como indicado pela sentença), sob pena de enriquecimento ilícito.
A propósito, "aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários" (artigo 884 do Código Civil).
Nesse sentido, "o instituto tem por fundamento vedar o enriquecimento sem causa, de maneira que aquele que cobrado em quantia indevida possui direito à repetição dos valores pagos a maior" (Apelação n. 0318255-70.2017.8.24.0008, rel. Cláudio Barreto Dutra, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 18-8-2022).
Afasto, portanto, o referido argumento.
3 DESCONSTITUIÇÃO DA MORA
O banco réu insurge-se quanto à descaracterização da mora.
O pleito não merece acolhimento diante do reconhecimento da abusividade na incidência de juros remuneratórios no período de normalidade, nos termos da tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, no Tema 28, in verbis:
O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora.
Assim, uma vez verificada a abusividade no encargo de normalidade, afigura-se correta a descaracterização da mora.
4 INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES
A instituição financeira busca a revogação da antecipação dos efeitos da tutela concedida, a fim de afastar a descaracterização da mora debitoris e, via de consequência, permitir a inscrição do nome do recorrido nos órgãos de restrição de crédito.
A respeito do tema, deve-se observar o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, por meio do Recurso Especial n. 1.061.530/RS, julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos, a saber:
ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora; b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual.
ORIENTAÇÃO 4 - INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES a) A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz; b) A inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes decidida na sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo. Caracterizada a mora, correta a inscrição/manutenção. (REsp n. 1.061.530/RS, Segunda Seção, rela. Mina. Nancy Andrighi, j. 22-10-2008). (grifou-se)
Ademais, restou consignado no aludido julgado que, "afastada a mora: i) é ilegal o envio de dados do consumidor para quaisquer cadastros de inadimplência; ii) deve o consumidor permanecer na posse do bem alienado fiduciariamente".
Não é demais ressaltar o disposto na Súmula 72/STJ, segundo a qual "a comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente".
Nestes termos, descaracterizada a mora diante de abusividade em encargos aplicados no período de normalidade, por colorário deve ser preservada a ordem de abstenção de inscrição do nome do autor nos cadastros restritivos de crédito, assegurando-se ao postulante a manutenção do veículo alienado fiduciariamente sob sua posse.
Nessa direção:
APELAÇÃO. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. [...]
PRETENDIDA REVOGAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA, A FIM DE QUE SEJA AUTORIZADA A INSCRIÇÃO DO NOME DO AUTOR NOS CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO, BEM COMO O INGRESSO DE AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DO BEM. NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DAS ORIENTAÇÕES NS. 2 E 4 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EMANADAS POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL N. 1.061.530/RS. PRESENÇA DE ENCARGO ABUSIVO NO PERÍODO DA NORMALIDADE CONTRATUAL QUE TEM O CONDÃO DE DESCARACTERIZAR A MORA E, POR COLORÁRIO, IMPEDIR A INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO DO NOME DO DEVEDOR EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. RECLAMO, PORTANTO, DESPROVIDO NO PONTO.[...]
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5006118-47.2022.8.24.0015, rel. Soraya Nunes Lins, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 15-8-2024).
Destarte, rejeito o apelo também neste aspecto.
5 PREQUESTIONAMENTO
Ao arremate, pleiteia a parte recorrente a manifestação expressa sobre os artigos de lei aludidos no corpo do recurso, para fim de prequestionamento.
Todavia, é sabido que o órgão julgador não está obrigado a manifestar-se acerca de todos os dispositivos legais invocados pelas partes quando não se mostrarem relevantes para o deslinde da controvérsia, tendo em vista ser suficiente a aplicação do direito ao caso trazido à apreciação do A respeito do tema, colhe-se da doutrina sobre o disposto no novo Código de Processo Civil:
[...] é preciso perceber que o juiz não tem o dever de rebater todos os argumentos levantados pelas partes ao longo de seus arrazoados: apenas os argumentos relevantes é que devem ser enfrentados. O próprio legislador erige um critério para distinguir entre argumentos relevantes e argumentos irrelevantes: argumento relevante é todo aquele que é capaz de infirmar, em tese, a conclusão adotada pelo julgador. Argumento relevante é o argumento idôneo para alteração do julgado. Omitindo-se o juiz na análise de argumentos relevantes, não se considera fundamentada a decisão (art. 489, § 1.º, IV, CPC), cabendo embargos declaratórios para forçar a análise dos argumentos omitidos (art. 1.022, II, CPC). Não analisados, consideram-se fictamente inseridos na decisão judicial para efeito de análise de eventual recurso especial ou extraordinário interposto pela parte interessada (art. 1.025, CPC) (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 493).
Nesse palmilhar, se a fundamentação do julgamento deve abrigar os argumentos relevantes ao deslinde da controvérsia, mostra-se desnecessária a abordagem das questões periféricas e incapazes de infirmar a solução alcançada pelo Órgão Julgador.
6 HONORÁRIOS RECURSAIS
Por fim, necessária se faz a fixação dos honorários recursais, em consonância com o disposto no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, in verbis:
Art. 85. [...]
§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
Desse modo, observados os parâmetros acima referidos, majoro a verba honorária sucumbencial de R$ 1.500,00 para R$ 2.000,00, tão somente da parte devida pelo Banco (75%, consoante fixado em sentença).
7 CONCLUSÃO
Ante o exposto, a) com base no 932, IV, "b" do Código de Processo Civil, e art. 132, XV, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça, conheço do recurso e nego-lhe provimento; e, b) em consonância com o art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, majoro a verba honorária sucumbencial para R$ 2.000,00, tão somente da parte devida pelo Banco (75%, consoante fixado em sentença).
assinado por LUIZ FELIPE S. SCHUCH, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7065727v5 e do código CRC e7d271a5.
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Signatário (a): LUIZ FELIPE S. SCHUCH
Data e Hora: 12/11/2025, às 18:54:55
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